20 anos depois da Lei dos Planos de Saúde 9656/98, quais os pontos positivos para o consumidor?

Há 20 anos, no dia 3 de junho de 1998, foi sancionada a Lei nº 9.656, que estabeleceu as regras dos planos privados de assistência à saúde e implementou as garantias básicas para os beneficiários da saúde suplementar. O conjunto de normas instituído passou a vigorar em janeiro de 1999 e tornou-se, junto com a criação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), no ano seguinte, o principal marco desse importante setor, responsável pelo atendimento de mais de 47 milhões de brasileiros que contam com plano de assistência médica e de 23 milhões que possuem planos exclusivamente odontológicos. 

Após o marco regulatório e com a criação da ANS, se um cliente de plano de saúde precisa de internação hospitalar, ele ficará internado pelo tempo que for preciso para sua recuperação, não podendo haver limite de dias. Os prazos de carência foram padronizados e limitados a períodos efetivamente necessários para coibir o risco moral na utilização do plano. O rol de coberturas mínimo obrigatório não permite restringir-se doenças e busca compatibilizar a necessária atualização tecnológica dos procedimentos em saúde com a sustentabilidade do setor.  

Embora o Código de Defesa do Consumidor já vigorasse desde o início de 91, com previsão legal sobre abusividade e harmonização de interesses das partes nas relações de consumo, a lei 9656/98 passou a vigorar em janeiro de 99, com a promessa de solucionar conflitos jurídicos no estabelecimento de contratos entre operadoras e beneficiários. Ironicamente, ao ser implantada, ao invés de saná-los, carregou consigo outros conflitos, especialmente os relacionados aos contratos firmados antes de sua vigência.

Perante do cenário de confusão e incertezas, as operadoras driblaram a lei e deixaram de comercializar os planos individuais que atendiam a classe média. Aos poucos, foram transferindo suas atividades para administradoras que passaram a vender unicamente os coletivos empresariais e coletivos por adesão. Logo, foi criada uma espécie de mercado paralelo onde os reajustes “são livres” e os abusos, com decisões unilaterais, são muitos. 

Depois de muitas críticas, a Agência tenta corrigir sua atuação com algumas medidas e o Rol de Procedimentos e Eventos de Saúde, que prevê as coberturas, vem sendo atualizado num período de dois a quatro anos; mas ainda falta uma atenção especial aos prazos dessa atualização. E, enquanto não há agilidade e prontidão do governo, os portadores de doenças raras muitas vezes não recebem a assistência necessária e vão a óbito, sem que o tratamento chegue a tempo.

A partir de junho de 2019 os que têm planos coletivos empresarias poderão mudar de operadora ou plano, sem ter de cumprir o período de carência. Mas isto não basta para solucionar alguns problemas crônicos da delicada relação beneficiário-operadora. 

É inegável que a lei também beneficiou os portadores de doenças graves que têm plano de saúde, já que prevê o tratamento de todas as patologias que possuem o CID (Código de Internacional de Doenças).

Pacientes com câncer têm acesso à quimioterapia oral e os que sofrem com a hepatite C podem fazer uso de medicamentos que reduzem a doença em quase 98%. Entretanto, na contramão de alguns direitos que a 9656 assegura ao consumidor, ela se tornou uma colcha de retalhos: sua primeira versão já aparece bastante rasurada no site do Planalto, com emendas da Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001) e Lei nº 12.880, de 2013).

A expressão utilizada pelos planos de saúde e seguros de saúde - “A conta que não fecha! ”, mostra-se recorrentemente nos debates da área e foi sendo imposto e os valores foram repassados sem misericórdia ao consumidor que, penalizado pelas altas mensalidades, não consegue mais pagar os valores mensais e onera o sistema de saúde – seja saúde pública ou suplementar. 

Atualmente, enquanto o consumidor experimenta um empobrecimento do acesso à saúde, os balanços das operadoras e das administradoras, que contabilizaram quase 48 milhões de clientes até 2018, pontuam alta lucratividade, mesmo tendo perdido 3 milhões de usuários nos últimos três anos. Portanto, o que se vê no espelho do mercado é uma imagem distorcida que não corresponde à realidade. 

As leis precisam ser adequadas e estar em sintonia com os cidadãos e em consonância com o mercado e seu tempo, fazendo valer direitos e deveres dos implicados. Se a conta dos planos de saúde não fecha, ela não é uma boa conta, especialmente para os consumidores.

Uma meta razoável e justa para os próximos 20 anos da 9.656 seria a volta da comercialização dos planos individuais para garantir o direito à dignidade e da saúde dos usuários.

Se o mercado fosse menos ganancioso e tratasse seus clientes com respeito, saberia reinventar a fórmula e as operações, deixando a subtração de lado para promover a soma ou multiplicação de clientes em sua carteira. Só assim a lei poderia atingir a maturidade com saúde e em plena forma.

Tertius Rebelo

OAB/RN 4636

Advogado especialista em Direito Médico e da Saúde e Ações contra Planos de Saúde