DA NECESSIDADE DE ADEQUAÇÃO DOS DOCUMENTOS MÉDICOS À REALIDADE DA MEDICINA E DO DIREITO

Infelizmente, observamos que está ocorrendo atualmente no Brasil o mesmo fenómeno que ocorreu nos Estados Unidos da América no final da década de 60. Qual seja, um exponencial aumento de ações judiciais indenizatórias contra profissionais da saúde.

É certo que um estado democrático de direito se constrói com um sistema jurídico que permita o acesso de todos os cidadãos a uma condição de dignidade, na qual está inserido o direito de ver o Estado Juiz resolver conflitos que envolvam hipotéticos direitos dos jurisdicionados, independente da sua situação econômica, sempre que sintam seus direitos ameaçados ou atingidos. Todavia, também podemos dizer que o exercício desses direitos não significa abusar dessa condição do estado democrático de direito.

Em nosso país, é comum que as demandas judiciais promovidas contra médicos tenham o benefício da justiça gratuita, que permite que a suposta vítima ajuíze uma ação sem ter que pagar nenhuma taxa ou honorários de derrota para tanto.

Assim, nesse tipo de demanda judicial, encontramos muitas causas baseadas numa vontade de enriquecer ilicitamente, em razão da suposta boa condição econômica do profissional da saúde. Mas esse "preço para se provar a inocência" do profissional da saúde acaba recaindo, na maioria das vezes, unicamente para ele.

Além disso, o sucesso do demandante “mal intencionado" é facilitado pela imprevidência do profissional da saúde, que insiste em trabalhar desprevenido, conforme a atual necessidade administrativo-judicial de comprovar a correção e adequação dos serviços prestados (decisão paradigma do STJ em 2018 que tratou do Blanket Consent -  REsp 1540580 DF 2015/0155174-9).

Com efeito, o dever de informação é a obrigação que possui o médico de esclarecer o paciente sobre os riscos do tratamento, suas vantagens e desvantagens, as possíveis técnicas a serem empregadas, bem como a revelação quanto aos prognósticos e aos quadros clínico e cirúrgico, salvo quando tal informação possa afetá-lo psicologicamente, ocasião em que a comunicação será feita a seu representante legal.

O princípio da autonomia da vontade, ou autodeterminação, com base constitucional e previsão em diversos documentos internacionais, é fonte do dever de informação e do correlato direito ao consentimento livre e informado do paciente e preconiza a valorização do sujeito de direito por trás do paciente, enfatizando a sua capacidade de se autogovernar, de fazer opções e de agir segundo suas próprias deliberações. Além disso, o dever da prova quanto ao cumprimento do dever de informar e obter o consentimento informado do paciente é do médico ou do hospital, orientado pelo princípio da colaboração processual, em que cada parte deve contribuir com os elementos probatórios que mais facilmente lhe possam ser exigidos.

Vale lembrar que não existe legislação específica para regulamentar o dever de informação do médico, é o Código de Defesa do Consumidor o diploma que desempenha essa função, tornando bastante rigorosos os deveres de informar com clareza, lealdade e exatidão (art. 6º, III, art. 8º, art. 9º).

Haverá efetivo cumprimento do dever de informação quando os esclarecimentos se relacionarem especificamente ao caso do pacienteNÃO SE MOSTRANDO SUFICIENTE A INFORMAÇÃO GENÉRICA. Da mesma forma, para validar a informação prestada, não pode o consentimento do paciente ser genérico (blanket consent), necessitando ser claramente individualizado.

Muitos médicos e cirurgiões-dentistas não costumam munir-se dos documentos e elementos que possam, eventualmente, servir-lhes como prova em processos ético-profissionais ou judiciais. Dentre esses documentos, podemos citar, como importantes elementos probatórios, o Termo de Consentimento Informado, o Prontuários a Ficha Clínica e Anamnese do paciente. Na rotina de atendimentos, a maioria dos médicos, costumam informar seus pacientes sobre os riscos, limitações, cuidados e benefícios que uma cirurgia ou tratamento poderão ocasionar, bem como as mudanças que advirão na rotina de seu paciente. Todavia, os médicos não estão habituados a documentar (registrar por escrito) essa informação prestada ao paciente.

Por isso que a ausência do Termo de Consentimento Informado (escrito) poderá ser o fundamento de uma condenação do profissional. Por isso que, ao registrar o maior número de informações no prontuário médico, o profissional da saúde não estará apenas registrando o atendimento que o paciente recebeu, apontamentos tão importantes do ponto de vista da medicina, mas formalizando, concretamente, elementos de proteção jurídica do ato médico praticado. Observe-se que esse argumento se amolda a todos os documentos confeccionados no setor privado ou público de saúde.

Tais documentos devem possibilitar a informação precisa das condições do paciente, do tratamento prescrito e da evolução do quadro, até o fim do acompanhamento do paciente. Da mesma forma, importantes também as prescrições de medicamentos e tratamentos, ordinariamente realizadas no receituário médico, os atestados médicos e os boletins médicos de sala de cirurgia.

Ressalte-se que não se está, de forma nenhuma, fomentando-se que o profissional desenvolva sentimentos persecutórios em relação àqueles a quem se dedica diuturnamente. Pois o médico, em seu juramento, defende a vida e a saúde de seus pacientes e baseia-se no princípio da beneficência.

O que se está a alertar é, justamente, o papel jurídico dos documentos médicos e a sua imensa relevância na prestação da melhor justiça pelo Estado e na própria retidão da conduta do médico e do paciente.

Certamente, assim como em qualquer outra profissão, a má prática médica deve ser combatida e punida. Não se pode consentir que maus profissionais, principalmente aqueles que têm a vida humana em suas mãos, atuem de forma negligente, provocando danos àqueles que deveriam aliviar e assistir. Atualmente, o médico necessita não apenas continuar praticando o ato médico de forma adequada, mas, também, consciente e ajustada a realidade vivenciada e cercar-se de elementos para demonstrar tal adequação. Tomando-se como base a quantidade de pacientes que um profissional da saúde atente por ano ou mesmo por mês, não é recomendável que se mantenham apenas em sua memória os dados referentes a cada atendimento, pois esse tipo de comportamento pode gerar danos irreparáveis para sua reputação e saúde financeira.

Tertius Rebelo OAB/RN 4.636